sexta-feira, 17 de junho de 2011

Provisões Contábeis em Análise

Proteção jurídica da provisão contábil

Edison C. Fernandes
 

Recentemente, foi noticiado que a companhia Lojas Marisa teve uma redução de quase 5% na cotação de suas ações em razão de ter anunciado um ajuste na conta de provisão para devedores duvidosos - PDD. Esse fato nos faz questionar se uma "mera" informação contábil teria capacidade para interferir tão significativamente no valor das ações de uma companhia. A verdade é que as informações inscritas nas demonstrações financeiras deixaram de ser "meras" informações contábeis, impactando decisivamente na geração de valor das empresas.

Inicialmente, pode-se dizer que, de maneira geral, as informações contábeis são um meio de proteção dos direitos dos sócios (acionistas ou quotistas). Não por acaso, a legislação societária (seja a Lei nº 6.404, de 1976, a chamada Lei das Sociedades por Ações, seja o Código Civil, na parte do direito de empresa) possui capítulo específico sobre escrituração contábil, além de diversos dispositivos sobre fiscalização, prestação de contas e exibição dos livros comerciais, sendo tudo isso relacionado às demonstrações financeiras. Dessa forma, do ponto de vista do direito, o (primeiro) bem jurídico protegido pelas normas contábeis reside na relação societária e na garantia de perenidade da empresa.

É precisamente isso que acontece no caso da mencionada PDD. Se é certo que a contabilidade baseia-se em estimativas (por isso não se pode dizer que seja uma ciência exata, mas humana), no caso das provisões, a importância das estimativas redobra. Embora a chamada PDD não seja tecnicamente uma provisão, mas um ajuste à conta de clientes (contas a receber), os seus fundamentos são semelhantes aos das provisões em geral e seu efeito contábil, exatamente o mesmo.

Em poucas palavras, a PDD serve para reconhecer na contabilidade a inadimplência dos clientes, já ocorridas e que provavelmente ocorrerão, normalmente, tomando como critério de estimativa o histórico dos créditos não honrados pelos clientes. Em uma companhia varejista, como a citada, vários fatores podem influenciar na inadimplência dos clientes, como, por exemplo, o aumento da inflação que venha a comprometer o poder aquisitivo dos consumidores. O efeito contábil da PDD é a redução de uma conta de ativo (clientes ou contas a receber), tendo como contrapartida o registro de uma despesa (que, diga-se, é indedutível na apuração dos tributos sobre o lucro), cuja finalidade é ajustar o lucro a ser distribuído aos sócios à provável geração de caixa (recebimento dos clientes) - com isso, resta garantida a perenidade da empresa, elemento essencial do direito de sócio.

A garantia da perenidade da empresa (proteção jurídica dos sócios, especialmente, os minoritários) também é protegida pelas demais provisões, tais como a provisão para garantia e as provisões para contingências (cíveis, tributárias, trabalhistas, ambientais etc.), essas sim, tecnicamente "provisões". Acontece que essas provisões são, igualmente, proteção jurídica para os credores, e não apenas para os sócios. De um lado, a proteção jurídica de consumidores que estão confortáveis em razão de o fornecedor oferecer assistência técnica aos produtos adquiridos (provisão para garantia), de outro, a proteção jurídica de potenciais credores da empresa, porque as discussões cíveis, trabalhistas, ambientais e tributárias podem ser decididas a seu favor, obrigando a empresa ao pagamento do devido, cujos recursos terão sido garantidos pela provisão e seu efeito contábil.

A constituição de uma provisão contábil não significa reserva física de recursos financeiros, ou seja, que o dinheiro ficará guardado esperando a conclusão da situação litigiosa, carimbado para esse fim, como ocorre no caso dos depósitos judiciais. A empresa poderá, livremente, dispor desse montante em moeda para a condução da sua atividade e dos seus pagamentos cotidianos; ela não poderá, entretanto, entregar esses recursos financeiros aos sócios, transferindo-os do seu patrimônio para o patrimônio dos sócios, porque, nesse caso, o retorno de tais recursos poderá ficar bastante comprometido. Portanto, a finalidade jurídica da provisão contábil é proteger o sócio, por garantir a perenidade da empresa, e também proteger eventuais credores, por assegurar que a empresa (eventual devedora) não vai transferir seus recursos financeiros aos sócios em prejuízo do futuro pagamento da dívida, no caso de decisão que lhe seja desfavorável.

Edison Carlos Fernandes é advogado, doutor em direito pela PUC-SP, professor da Universidade Mackenzie e da FGV (GVLaw)

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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Fonte: Valor Econômico  - 17/06/2011

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