quarta-feira, 21 de setembro de 2011

IFRS - Convergência adiada

Um dos principais argumentos usados para justificar o processo de convergência do padrão contábil brasileiro para o modelo internacional IFRS sempre foi a facilidade para comparar os balanços de empresas nacionais com os de estrangeiras.

Como os investidores internacionais estariam habituados ao padrão, usado em mais de cem países e considerado confiável e de boa qualidade, isso reduziria o custo de capital das companhias.

Por ora, entretanto, o que se vê é que mesmo entre empresas brasileiras não há uma uniformidade nas práticas contábeis.

Isso ocorre porque o IFRS é baseado em princípios, e não em regras detalhadas, e também porque ele permite escolhas por parte das empresas.

Ao exercer seu poder de julgamento sobre qual a melhor forma de reconhecer determinado evento, algumas companhias acabam chegando a conclusões diferentes, o que pode dificultar a comparação simples dos números dos balanços.

O sócio de auditoria da Ernst & Young Terco Paul Sutcliffe cita, por exemplo, o tratamento que se dá a empréstimos no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento do BNDES, com juros próximos de 5% ao ano. Algumas empresas, como Vivo e TIM, consideram isso uma subvenção do governo e, por isso, contabilizam a diferença entre a taxa paga ao banco e a praticada no mercado, bem mais alta, como uma receita na demonstração de resultado. Mas a maior parte das empresas não faz assim.

Há divergência também na forma de se registrar o pagamento de outorga em contratos de concessão. Algumas empresas colocam o valor devido dentro de uma conta do passivo, como OHL e Ecorodovias, enquanto outras informam o montante apenas em nota explicativa, caso da CCR.

Conforme já noticiado pelo Valor, entre as administradoras de shopping centers também há práticas distintas para se contabilizar o valor dos empreendimentos imobiliários. Enquanto BR Malls e Sonae Sierra avaliam seus imóveis a preço de mercado, Multiplan, Iguatemi, Aliansce e General o fazem pelo custo. O IFRS permite escolha nesse caso.

De forma geral, especialistas citam diferenças também em relação a taxas de depreciação de prédios, máquinas e equipamentos usadas pelas empresas e em relação ao método utilizado pelas companhias para apuração do valor justo de ativo biológico, como florestas, plantações e rebanho bovino.

Ao ser questionado sobre o tema, o diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Alexsandro Broedel disse que considera os casos de divergência de prática como "pontuais". Ele afirmou ainda que não tinha a expectativa de que os balanços ficassem uniformes em todos os aspectos, mas sim de que o nível de transparência fosse o mesmo.

"A maioria das práticas deve convergir com o passar dos anos, mas algumas diferenças devem persistir", avalia o representante do órgão regulador do mercado, para quem isso exigirá uma atenção cada vez maior para as notas explicativas dos balanços.

Na opinião de Reginaldo Ferreira Alexandre, presidente da regional São Paulo da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec -SP), se a situação é diferente, o julgamento realmente pode mudar de uma empresa para a outra. "As situações podem variar. E se é assim, é importante que haja distinção."

Nos casos em que um mesmo evento econômico é registrado de forma divergente, Alexandre destaca que o importante é a divulgação. "Aí os analistas podem ver qual prática eles preferem, o que levará a um processo de equilíbrio", diz.

A divergência de julgamentos dentro do IFRS não ocorre só no Brasil. A forma de cálculo do valor justo dos títulos da dívida grega acaba de gerar polêmica na União Europeia.

Os bancos alemães e britânicos, como o Royal Bank of Scotland, usaram os preços de mercado para registrar o valor dos papéis, com perda de 50% contra o resultado do período. Na França, bancos como o BNP Paribas julgaram que a liquidez dos papéis caiu tanto que o valor de negociação não seria uma boa referência para o valor justo. Usando modelos internos, eles registraram baixa de 21%.

Os auditores emitiram parecer sem ressalva nos dois casos, sendo que a Deloitte checa os números do RBS e é uma das três que avalia o balanço do BNP Paribas.

A divergência levou Hans Hoogervorst, presidente do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), que é o órgão que emite as regras do IFRS, a escrever uma carta aos reguladores europeus para manifestar sua discordância quanto ao julgamento de que os mercados não estariam líquidos.

Segundo Amaro Gomes, único brasileiro no conselho do Iasb, o IFRS pede que as empresas divulguem a melhor informação possível dentro do seu julgamento. Apesar de reconhecer que pode haver tratamentos distintos em determinados momentos, ele avalia que a "disciplina de mercado" levará a práticas semelhantes. "Não é a norma que vai resolver, mas a reação do mercado, de analistas, reguladores, auditores e administradores", afirma.
 
             Por Fernando Torres | De São Paulo

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