segunda-feira, 16 de julho de 2012

Como vencer o desafio de construir uma franquia

Especialistas alertam: tornar-se franqueador requer preparação e disposição para dividir conhecimento, caso contrário, os conflitos gerados podem culminar em um ou vários processos judiciais
Adriana Lampert
 

Muitos empresários brasileiros têm apostado em surfar na onda do sistema de franquias, nova febre dos setores de comércio e de serviços do País e que tem levado progresso financeiro para muitos. Por outro, a alternativa também tem se mostrado uma verdadeira armadilha para aqueles que não possuem perfil adequado para atuar como franqueadores ou que pecam pela falta de planejamento antes de aderirem ao negócio de venda de franquias. O principal problema é que, além de obter resultados negativos, o franqueador mal preparado ainda irá precisar responder pelo insucesso alheio, uma vez que a ele estarão atrelados ainda os negócios dos franqueados da marca.

"O problema sempre vai voltar para o franqueador. Não se pode brincar de vender franquia, tem que se ter visão neste ramo e se preparar para isso, mas muita gente tem deixado de levar esses fatores em consideração", adverte a consultora-jurídica Melitha Novoa Prado, especialista em relacionamento de redes de franchising e varejo. "Ser franqueador inclui responsabilidade social, pois mexe com o dinheiro e com o sonho de outras pessoas."

Histórias de desentendimentos entre franqueadores e franqueados ocorrem todos os dias em todo o território nacional, afirma Melitha. Exemplo em solo gaúcho é o caso de uma marca do ramo de alimentação que responde atualmente por dois processos judiciais por quebra de contrato, resultado da venda de franquias "com irregularidades contábeis, financeiras e trabalhistas", conforme depoimento de um dos franqueados, que prefere não se identificar. O empresário, que também não revela o nome da marca franqueadora devido ao processo judicial estar em andamento, admite que, quando comprou a ideia, ainda era inexperiente no sistema de franchising. "Com o tempo, fui descobrindo uma série de problemas, inclusive operacionais, como perda de qualidade dos produtos e treinamentos ineficientes. Também não recebia informações quando as solicitava, tampouco tive acesso ao manual de franquias da marca nos primeiros cinco meses de trabalho", reclama.

Para evitar situações em que a "separação" é inevitável e desagradável, tanto para quem deveria transmitir know-how adquirido ao longo dos anos de operação, quanto para quem estaria apostando suas fichas no negócio e pagando royalties para isso, a dica é planejamento para ambos os casos, mas, principalmente, por parte do franqueador. "O empresário precisa analisar se o empreendimento está pronto para ser franqueado", sugere Melitha, afirmando que "há muita gente que resolve franquear negócios sem que estes passem por um período de amadurecimento."

É melhor não se aventurar no franchising, concorda o diretor de expansão da Trópico, Gustavo Schifino. "Só se deve aderir à venda de franquias quando se tem certeza que o trabalho da marca está consolidado", ensina. "Antes de ser um franqueador, é preciso ter o cuidado de testar o negócio, porque sai caro entrar nessa sem embasamento - as multas por quebra de contratos, por exemplo, são altíssimas." Schifino tem propriedade para falar: além de estar à frente do desenvolvimento de franquias da rede Trópico, também é diretor da Associação Brasileira de Franchising no Rio Grande do Sul (ABF/RS) e presidente do CDL Porto Alegre.

O dirigente dá algumas dicas para quem quer expandir a marca via franchising. "Não faça franquias de algo que não domine plenamente (teste o modelo por pelo menos dois anos), selecione bem os franqueados de acordo com o perfil da marca e avalie se o investimento é suficiente para manter o negócio."

O franqueador precisa investir no planejamento estratégico de médio e longo prazo e, se não souber fazer isso sozinho, deve buscar ajuda de quem entenda do assunto, opina o empresário Luis Henrique Stockler, sócio-diretor da consultoria especializada em varejo baStockler. "Também são importantes a orçamentação, a pesquisa de mercado, o registro de marca, o projeto arquitetônico, a elaboração de contratos e é necessário investimento em toda essa estrutura para depois poder ter certeza de que o negócio está pronto e viável para começar a vender franquias", pontua. Stockler chama atenção para o X da questão: "É na hora que se começa a ser franqueador que se paga a conta de verdade, porque é nesse momento que é preciso implementar tudo o que se planejou."

Ser franqueador exige perfil específico

Enquanto muitos franqueadores entram despreparados para o sistema de franchising, outros tantos sequer deveriam investir nesta direção. "Não são todos os empresários que têm perfil para serem franqueadores", sentencia a consultora jurídica Melitha Novoa Prado.

Quando um empresário escolhe a franquia como canal de crescimento, a primeira coisa que tem que fazer é um planejamento estratégico baseado na cultura de trabalho, sinaliza o consultor Luis Henrique Stockler. "O franqueado não é exatamente um sócio na operação, mas ao cuidar da marca naquele território vendido ele se sente também dono da mesma, então é necessário que o franqueador esteja preparado para compartilhar algumas decisões, e seja capaz de parar e escutar os franqueados", diz o consultor.

Stockler destaca que esta é a diferença de ser "dono do próprio negócio". "Neste caso, o empresário toma a decisão, implementa e assume toda a responsabilidade". Ao contrário, quando se tem uma rede de franqueados, as decisões devem ser divididas. "O resultado de se agir corretamente ou não, é que o franqueado pode vir a vender mais e gerar lucros para o franqueador - ou vender menos, e aí o franqueador verá sua marca enfraquecer e pode até perder dinheiro caso o franqueado entre com uma ação judicial contra ele", alerta. "Então, é preciso refletir sobre esta capacidade (e disposição) de compartilhar."

Perceber se tem cultura para ser um franqueador, na opinião do consultor, é o fator principal para um empresário antes da tomada de decisão de vender franquias de determinada marca. Em seguida, o planejamento estratégico (a longo prazo) é a condição primordial para que o negócio seja bem aplicado. "A franquia não pode ser um comércio que se começa e depois de dois anos se percebe que não se quer mais levar adiante. Os contratos são de, no mínimo, cinco anos e devem ser respeitados. É mais fácil o franqueado largar o franqueador do que o contrário", alerta Stockler.

"O sujeito que quer ser franqueador tem que se preocupar com vários aspectos", destaca o presidente da US Franchising, Eladio Toledo, e adverte que mais da metade dos 2,6 mil franqueadores brasileiros não estão adequados às exigências estabelecidas pela Lei de Franquias (8.955/94). As irregularidades, segundo Toledo, vão desde a não elaboração de contratos de acordo com o que determina a legislação, passando por falta de circular de oferta até a não existência de um mínimo de respaldo a ser oferecido aos franqueados. Para ele, o franqueador que não se prepara "assina contrato de morte". "Tem que ter estrutura de marketing e operacional, é preciso formatar e manualizar todos os procedimentos, tem que ter processo completo para repassar know-how, porque se não tiver respaldo, no meio do caminho o franqueado desiste ou quebra, gerando prejuízo para o franqueador."

Outro erro que pode ocorrer é o empresário dono da marca não avaliar se o negócio a ser franqueado tem mercado em expansão. "Não vale a pena sair vendendo um monte de franquias de um negócio que não passa de modismo", pontua o consultor Luis Henrique Stockler. "Neste caso, se o mercado cair, como o franqueado vai sobreviver?"

Franchinsig é uma parceria  de longa duração

Tornar-se um franqueador requer uma série de responsabilidades. Como se não bastasse ser fundamental estudar e planejar a estrutura necessária, o valor do investimento, o perfil dos franqueados, a estratégia de divulgação da marca, a forma de mídia, entre outras questões que envolvem preparo e injeção de dinheiro, ainda é preciso reservar tempo para atender aos futuros parceiros. Ser franqueador (e franqueado) é estar preparado para viver uma sociedade, um casamento.

"Não basta vender a franquia, é preciso, entre outras coisas, analisar se haverá tempo de maturação e horas de voo para estar oferecendo um negócio de sucesso para terceiros, além de dar a sorte de contratar uma empresa séria de consultoria para fazer um bom trabalho com a equipe da empresa", observa a consultora jurídica Melitha Novoa Prado. Ela frisa que saber dividir o sucesso da marca com terceiros é o grande segredo do bom relacionamento com os franqueados.

"Franchinsig é relacionamento, padronização, ganhos de escala", complementa a empresária Fabiana Estrela, proprietária da Estrela Franquias, que administra as marcas Barriga Verde e Caverna do Dino. Ela acredita que todo franqueador precisa desenvolver uma cultura de associativismo dentro da empresa - e isso inclui construir a ideia junto à equipe de trabalho. "Cada um dos franqueados é como sócio de determinada rede de franquias, todos irão colaborar para erguer o negócio, dar ideias novas, é preciso ouvir cada um deles, considerar, respeitar, contribuir. É preciso ter esta disposição de troca, porque não é só vender a franquia e o franqueado trabalhar para o franqueador, não é hierárquico, tem que desenvolver relacionamento para crescer junto."

Fabiana lembra que, como qualquer negócio, a franquia precisa de plano estruturado e de pessoas com experiência para trabalhar com o produto ou serviço, que tenham entendimento do que se quer atingir. Definido o que se quer vender, é preciso idealizar este processo dentro do sistema de franchising, e detectar se é viável montar uma estrutura que possa ser padronizada para ser repassada adiante, ensina a empresária. "Havendo domínio do plano de negócio e prática no mercado, empresário pode padronizar o trabalho, mas ainda é preciso implantar no DNA da empresa a ideia de franchising, o que significa diversos parceiros tralhando por uma marca, cada qual com seus sonhos e ideias sobre o negócio."

O segundo ponto, na opinião de Fabiana, é a seleção do franqueado, que deve ser embasada em perfil de competência e atitude, além da condição financeira. "Toda empresa tem uma cultura, e o franqueado precisa ter um perfil que feche com o modelo de gestão e com a atitude da marca, porque senão a parceria não funciona, e é dever do franqueado escolher bem os parceiros." A empresária chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, na ânsia de crescer, alguns franqueadores iniciantes "pulam o processo de seleção". "E esse é um cuidado que deve ser lembrado, não adianta ficar afoito para abrir lojas já de início", alerta.

Fabiana assinala que mais do que disposição constante para ouvir o franqueado, o franqueador precisa ser proativo no relacionamento com os parceiros do negócio. "Além da visita técnica, é bom construir uma relação onde o franqueado jamais se sinta abandonado, mas sim fazendo parte da rede de franquias. Isso irá gerar um ritmo de sucesso e de evolução melhor para os franqueados, e consequentemente para o franqueador."

Melitha Prado aconselha que, para evitar conflitos, o franqueador só escolha (com calma) os parceiros quando estiver preparado. "Às vezes as pessoas não têm a informação que precisam. Tem muita gente que compra franquia por entusiasmo e menos pelo potencial da marca. Depois, se não dá certo, vira para o franqueador e pede o dinheiro de volta." Outro ponto é aguardar o momento para expandir o know-how do produto ou serviço.

"Tem gente entrando no sistema de venda de franquias com tempo insuficiente - chega a acontecer de empreendedores terem pouco mais de seis meses de atuação do produto no mercado e já querer franquear. Este é um pensamento equivocado", opina a consultora. E ela volta a bater na tecla do resultado disso tudo: "Obviamente gera conflitos com os franqueados, que dependendo da conduta do franqueador, acabam brigando na Justiça por seus direitos. No final, todos perdem tempo e dinheiro, sem alcançar o objetivo do franchising, que é posicionar a marca no mercado."

FONTE: Jornal do Comércio/RS - http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=98455

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